quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Ex-catador luta pela dignidade de quem vivia do lixão em São Gonçalo


Na semana passada, telefonei para o ex-catador de lixo Adeir Albino conhecido como Ném, que desenvolve um importante projeto social nos arredores do lixão de Itaoca, desativado em fevereiro deste ano, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. Nossa conversa foi interrompida por um menino que se aproximou de Adeir com pressa, muita pressa. Adeir me pediu licença e explicou ao garoto que logo iria atendê-lo. Voltou ao telefone e disse: "Você ouviu? É sempre assim". Eu tinha escutado. O menino tinha um motivo especial para querer logo atenção: estava com fome. Pedia por comida.
Senti um nó na garganta ao ouvir o apelo daquela voz infantil. E com uma agravante: já era noite... E à noite nossos sentimentos se intensificam e nossos fantasmas assombram se não tivermos força suficiente para enfrentá-los. Como disse Mário Quintana, "A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão". A voz fina e distante do menino ressoou em minha mente por bastante tempo. Mas havia um consolo: a presença de Adeir.
Aos 34 anos, o ex-catador mantém uma cooperativa de reciclagem de óleo de cozinha que, além de ajudar na preservação do meio ambiente, gera uma renda que permite a compra de alimentos para doação. Adeir fornece 300 cestas básicas por mês. Mas ainda é pouco. Segundo ele, cerca de 800 famílias viviam dos restos encontrados no terreno. A maioria ficou sem fonte de renda. A prefeitura oferece um curso para que, "mais tarde", os ex-catadores participem de um projeto de coleta seletiva. "Mais tarde" pode ser tarde demais. E a Haztec - responsável pela área do lixão - dá R$ 200 por mês a menos de 250 ex-catadores cadastrados. E os outros?
"Era preciso fechar o lixão? Era", reconhece Adeir. "Mas as pessoas têm direito a uma contrapartida", acrescenta. Semana passada, Adeir visitou Sebastião Carlos dos Santos, líder dos catadores de Gramacho. Pediu apoio para uma luta conjunta pela dignidade das pessoas que viviam do lixo por falta de alternativa. Muitas são analfabetas. Várias não têm documento de identidade.